Acho que vale o esclarecimento.
Quando mostro as fotos-exemplos do que estou pesquisando, é apenas um demonstrativo visual, complementar ao texto. As fotos aqui postadas não são o meu portfólio; este blog não é o Flickr.
Isso posto, vamos ao que interessa.
O que muitos estão propondo, pela blogosfera afora, é um certo cuidado ao usar os programas de tratamento de imagem. Até onde eu posso entender, ninguém é contra este ou aquele software, mas sim contra o uso indiscriminado e, muitas vezes desnecessário do tratamento de pós-produção.
Entenda-se por pós-produção não o processamento da imagem, que é absolutamente necessário para que se produza o resultado pretendido; considero o Raw o meu cromo não-revelado, ou o negativo antes da ampliação. Posso alterar contrastes, corrigir desvios de cor, posso fazer cross-processing, posso escolher o “filme” com que vou trabalhar. São decisões técnicas e estéticas fundamentais no processo criativo do fotógrafo. O ACR (parte do Photoshop), o Lightroom, o Capture One, são programas que substituem o laboratório químico; logo precisam ser usados, já que fotografo apenas em Raw.
A pós-produção a que estou me referindo é a modificação substancial da imagem, a troca de texturas, as mudança de fundos, o acréscimo ou retirada de elementos pertencentes a imagem.
Vamos considerar meu caso; fotografo mulheres. Posso trocar completamente a pele natural por uma artificial; posso modificar totalmente a maquiagem; posso usar ferramentas como o Liquify para alterar formas, volumes, emagrecer. Não importa o programa que esteja sendo usado para isso, será que o nosso olhar está tão embotado, tão viciado que seja *sempre* necessário?
Acredito sinceramente que não.
O segundo problema é mitificar uma ferramenta poderosa como o Adobe Photoshop, e achar que “a culpa” é dele.
Virou até verbo! Escuto a frase “vou fotoshopar fulana” todos os dias. Modificar substancialmente uma imagem não é prerrogativa só do Photoshop, mas uma decisão consciente e intencional desde que a fotografia surgiu no século XIX.
O que estou querendo é construir minhas imagens da melhor forma possível usando a captura fotográfica, processar estas imagens com as ferramentas que possuo (ACR, Photoshop, Lightroom), e finalmente corrigir ou alterar, no Photoshop ou em qualquer outro programa de pós-produção, o que for absolutamente necessário.
Como disse, costumo fotografar mulheres; espinhas no rosto de uma mulher *não são parte permanente* deste rosto, são temporárias, vão sumir com o passsar do tempo. Não contam a história de quem é esta mulher sempre, portanto não vejo problemas em removê-las; já uma pinta, uma marca de nascença, são sinais permanentes, signos visuais que nos ajudam a identificar o fotografado. Vejo muitos problemas em removê-las!
Para encerrar, é uma questão conceitual e não operacional ou técnica; sou fã confesso e notório do Photoshop, uso porque gosto e porque ele é absolutamente fundamental em meu workflow, mas quero usá-lo da melhor forma possível, aprimorando minhas imagens sem desfigurá-las.
O pós-tratamento não é o vilão, mas sim a falta de consciência fotográfica.
Acho que tem muita gente que pensa como eu, e os comentários dos posts abaixo parece que confirmam essa impressão.
Olá Clício, muito obrigada por este esclarecimento.
Você me respondeu tudo o que eu queria saber, sem eu ter que perguntar nada.
Meus parabéns por esta iniciativa de mostrar a beleza como ela realmente é.
Estou adorando os seus posts.
abs
Clício,
Muito boa iniciativa, estava virando uma paranóia a mania de “photoshopar” indiscriminadamente toda a imagem. Parabéns pela coragem de remar contra a maré…
abração e obrigado pela consideração de sempre!
P.S: já coloquei seu blog na minha blogsfera!!
Clicio, é exatamente assim que penso, na verdade me sinto lesado quando olho uma revista e percebo que o que estou vendo não existe, é uma criação feita com o auxilio de uma ferramenta poderosa chamada Adobe Photoshop.
Lógico, por trabalhar na área, posso perceber detalhes que a maioria do público em geral não vê, mas esta ferramenta está tão popularizada que como você mesmo citou, está virando verbo. E isso é bom, as pessoas leigas nesta área agora também já sabem que o que estão vendo não é de verdade e acredito que por está razão está surgindo esta visão purista de voltar as origens, quer dizer, usar o original mesmo. Viva a consciência popular.
André Schneider Prietsch
André, Renatão, Gil, obrigado por comentarem.
André, também não vejo nenhum problema em ilustrações criadas no Photoshop ou em qualquer outro programa, *desde que* fique bem claro que são ilustrações. Interferir na imagem fotográfica, modificá-la, fazer colagens e reinterpretações, é prática comum entre artistas; o que não se pode esperar é que uma fotografia seja desfigurada com a desculpa de “melhorá-la”.
É Clicio, vejo o uso artístico do Photoshop como outro assunto completamente diferente, por isso nem comentei aqui. Me refiro a foto como uma imagem com objetivos de representar a realidade, tipo anúncio de um produto em revista.
Acho Photoshop maravilhoso, pois me livrou do famigerado quarto escuro que acabava com minha saúde. Tambem concordo que o seu uso pode fazer parte de uma linguagem artistica muito interessante, mas o que me incomoda é achar que seu uso pode substituir o fotografo, com sua arte, com seus conhecimentos. Mesmo porque o pensamento “photoshopistico” tem ajudado a diminuir o trabalho de fotografos profissionais (um dado que pode ser apenas minha opinião), porque muita gente, e põe muita nisto, acha que ele pode ser substituido pelo Soft. Fato este que em breve poderá acontecer, não com Photoshop, mas com os programas 3D. (iihhhhh! isto vai virar discussão!!!)
Paulo,
Também acho o Photoshop maravilhoso; basta ser bem usado.
Quanto ao 3D, é uma realidade e precisa ser encarado não como uma ameaça, mas sim como um fato publicitário. Já que a publicidade almeja a “perfeição” a qualquer custo, nada mais lógico que esta realidade perfeita seja inteiramente construída em 3D.
Olá Clício… estava vendo fotos premiadas no Avistar e sem querer caí no seu site, blog… QUE TRABALHO LINDO!
Não sou fotógrafa, trabalho em TV, e adorei seu trabalho, suas opiniões e destaques do seu blog.
PARABÉNS.
Ganhou uma fã. Vou colocar seu site como link no meu blog.
Abração!
Não preciso escrever muito, pois sabes o que penso e sabes o quanto aprecio essa nova atitude que parece estar virando uma tendência rapidamente. Como vc bem mencionou tudo é uma ferramenta, quem a usa é que pode estragar. Usar com sabedoria como você acima descreveu, deixando claro as necessidades de sua área, é a questão. Partir do bem feito para corrigir o que não é permanente e importante para a interpretação da imagem se torna o *segredo* e não gerar uma realidade inexistente pelo conhecimento que se detém da ferramenta de edição que virou o comum. Abs
Perfeito…
Achei providencial esse comentário Clicio. Essa visão romântica da foto sem tratamento ou da “verdade do filme” é pra lá de ingênua.
Escolher um Velvia ou um EPP é uma forma de manipular o resultado final. Em P&B então nem se fala.
Quanto aos excessos, concordo, ultimamente tenho achado minhas fotos melhores sem manipulações evidentes, acho que a estética photoshopeada cansou.
Postei teu tópico anterior em http://is.gd/vmmg , nem perguntei se estava ok, mas qualquer problema eu peço pra apagar.
Tornaram-se, com a digital, visíveis os processos de tratamento da fotografia. Saíram do escuro dos laboratórios, e tornaram-se acessiveis a qualquer nerd com um computador, e não falo isso pejorativamente aos nerds. E a facilidade tornou-se enorme.
É tornando-se enorme, houve e há uma gana em usar, em dizer “eu consegui fazer!”. E isso, em um nível maior, nível coletivo, contamina a tendência estética de uma época.
A publicidade é um dos campos de atividade humana mais importantes no mundo como ele se organiza. Já na década de sessenta o Marcuse apontava que a Sociedade Industrial (termo dele) já atingira o nível de produtividade necessário para satisfazer as necessidades essenciais do ser humano, mas então passou a gerar segundas necessidades para mantê-lo desejando e trabalhando por esse desejo.
Essa dinâmica não existe sem a publicidade, pois é ela que torna as coisas desejáveis. É ela que diz ao indivíduo: “você precisa disso para ser feliz”, ou “você precisa ser assim como esse camarada da foto”. Então, a fotografia publicitária é sobretudo uma construtora de mitos, uma construtora de ideais, de desejos sob a forma de imagem.
A mulher deve ser perfeita, o carro não pode ter barro nos pneus (ou deve ter muito), o ceu deve ser perfeitamente azul ou perfeitamente ameaçador com nuvens. E por aí vai.
Eis que de repente, com os programas de tratamento, essa construção de imagens ideais tornou-se muito mais fácil. E os programas de manipulação de imagem tornaram possível construir imagens como nunca antes, falo em quantidade e em qualidade geral.
É preciso ver que este processo não voltará atrás. Porque é preciso alimentar os desejos, e essa alimentação não acontecerá sem a criação de objetos ideais. O meu relógio era ideal quando era uma foto na tela, perfeito em seus brilhos, sem jaça (comprei-o pela Internet). Agora é só o meu relógio, um relógio comum.
Bem, então vamos voltar à questão do sem tratamento.
Ao mesmo tempo em que essencialmente a publicidade precisa da criação de ideais, ela precisa também de choques de novidade. Porque a percepção humana é seletiva, e orientada pela sobrevivência/utilidade. Quando muitos estímulos do mesmo tipo são recebidos, sem nenhum deles ser de fato estímulo útil, acontece um embotamento, um ignoramento, uma seleção. Podemos dizer que a publicidade tem um rendimento decrescente quanto mais se espalha e quanto mais se idealiza. Mas nisso não há escolha. De todo modo, pequenos choques de estética alternativa são necessários para reavivar a atenção.
Pode, então, haver surtos de estética não idealizada, ou melhor, uma idealização de outra natureza, sem isso significar de fato a quebra do modelo.
Uma segunda, e muito mais interessante questão, é o rumo, o interesse e a criação de um determinado fotógrafo. Essa criação mantém-se em relação com o processo geral acima, mas o processo geral acima não é dirigido por ninguém, ele é algo que se produz por uma lógica de interação social. Um determinado fotógrafo pode ser vetor de estéticas que são encampadas por esse processo, apenas como exemplo, o Helmut Newton ou o LaChapelle. Ambos apresentam/apresentaram estéticas com propostas próprias, e essas estéticas possuiam valor diferencial.
Na criação dessas estéticas próprias, de forma consciente ou de forma inconsciente, o fotógrafo produz um dogma pessoal. Esse dogma é a expressão prática de uma ideologia de imagem que ele deseja. Propor uma imagem não tratada, ou uma imagem não lapidada, ou uma estética “suja”, isso aflora como um dogma que externaliza um desejo do fotógrafo, desejo esse com características de ideologia.
Penso que a explicitação de dogmas é essencial, aqui entendendo que ninguém fica preso a dogma algum, só o segue enquanto quer. Mas sua enunciação permite entrever essa ideologia. E entrevista pode servir como orientação.
Perfeito Clício! É como penso e comentei em outro post onde vc mostra o fotógrafo mudou tudo na foto e foi desclassificado!
Não sou contra o Photoshop que adequa a foto, e que retira do rosto uma marca temporária como uma espinha (foi uma explicação perfeita!), nem o que adequa a imagem à uma necessidade!
Como sou uma lástima no Photoshop (tenho mais não uso, estou esperando um tempo prá fazer um curso com vc! hehehehehe), e arranho no Lightroom graças ao seu livro e seus podcasts, tento caprichar nos fundamentos da fotografia, ou seja, tento fotografar!
É muito bom ver pessoas em quem me inspiro (vc) pensando que o mais legal é ser natural!
Abração, e parabéns de novo!
Clício como sempre muito claro. Sempre defendendo e deixando claro o seu ponto de vista. Parabéns cara!
Clicio
Perfeita sua colocação, adorei!
Hoje com a fotografia digital e não mais a analógica, fica mais fácil chegar a resultados diferentes no pós produção com o mesmo click em raw. Variar as tonalidades, contrastes, brilhos, sobreados etc… isso acho legal. Como se fosse dentro de um laboratorio em que vc pode solarizar, queimar, contrastar, suavisar com a revelação do filme e diferentes papéis na ampliação, temperatura do revelador para contrastar etc… sem o cheiro ruim dos quimicos. Agora, pele de boneca de porcelana, ninguém merece esses exageros, fica fake demais, acho horroroso.
[…] diz o Clicio Barroso em seu blog, a manipulação incorporou-se a nosso cotidiano de uma tal maneira que chegou-se a criar um novo […]
Concordo com você Clicio !
Bjs
[…] 01: artigos relacionados: Fotoxópi, Polêmica, Phase One, Things Clear, Gente Normal. Update 02: o Mario Amaya também colocou o assunto em xeque na Photoshop Creative, […]